segunda-feira, 22 de junho de 2009

Não nos curvemos referencialmente às "estrelas profissionais"

A propósito do manifesto de 28 economistas

As "estrelas profissionais" tornaram-se intimas do poder politico, económico e financeiro, e são muitas vezes utilizadas para com o seu prestigio sustentarem ou concretizarem objectivos do poder e das suas elites.
Este processo não serve a realidade hoje, muito exigente na busca de soluções que reabilitem uma sociedade profundamente destruturada e lhe confira a coesão e sustentabilidade requeridas.

Tomo como exemplo a prática da arquitectura. Não estou contra as boas obras de arquitectura de autor, porque além de serem actos de criatividade, pela sua qualidade são referências síntese da criação estética e técnica, marcas e memórias patrimoniais. Estou sim contra as decisões do poder que abreviam a sua promoção com o recurso generalizado ao expediente de obras de autor furtando-se a critérios transparentes de selecção, e sem inscrever a prática da arquitectura na resolução dos problemas reais da sociedade contemporânea - segregação e exclusão social, especulação e burocratização, apropriação de mais-valias públicas - conducentes à marginalidade e corrupção, ruptura cultural e social. As decisões sobre o ordenamento e a cidade são, na sua origem, actos de cidadania e ética (direitos, deveres e princípios de conduta da comunidade e dos indivíduos) antes da criação estética e técnica.


Casa da Música, Porto, arq. Rem Koolhaas, 2001

Voltemos às "estrelas profissionais". O estado deve ser o garante da identidade e solidariedade da comunidade, sem uma visão iluminada e messiânica, e deve assegurar-lhe a capacidade de natural e continuamente decidir sobre o seu futuro e os seus recursos.
O manifesto de 28 economistas sobre os grandes investimentos públicos (TGV, novo aeroporto, novas rodovias) divulgado na imprensa do passado dia 20, não deve ser entendido como propósito de auto-afirmação duma elite da área do poder, ou visão iluminada e messiânica de estrelas profissionais. Constitui uma posição cívica. Impõe-se que o estado incentive, promova e incorpore continuamente a reflexão dos portugueses sobre o seu futuro e os seus recursos. Com a visão duma identidade histórica, social e cultural que sabe sobreviver às maiores dificuldades e coexistir com o acolhimento da diferença e o desafio da universalidade.

Defendo o novo aeroporto e o TGV com a referida visão; mas necessito de conhecer as diferentes expressões da comunidade e o confronto das suas posições, conhecer a experiência dos outros para me solidarizar no caminho que sustente ou renuncie a essa visão.
O manifesto de 28 economistas, independentemente do prestigio e saber de "estrelas profissionais" ou "senadores" num sentido de maior responsabilização, constitui uma visão limitada e uma reflexão acantonada no saber e experiência duma área profissional. A sociedade necessita de cruzar e integrar os seus múltiplos conhecimentos e experiências, aprofundar as sua múltiplas percepções e desafios com que está disposta a confrontar-se.

Não nos curvemos referencialmente às "estrelas profissionais".

Sem comentários:

Enviar um comentário