quinta-feira, 23 de julho de 2009

É URGENTE SALVAR A ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA


A transformação do território da Área Metropolitana de Lisboa, AML, tem resultado mais de dinâmicas e tendências locais dispersas e da transformação desordenada dos solos das periferias rurais em urbanos e espectantes, do que de uma programação e ordenamento correcto. O ordenamento institucional da AML revela-se académico, burocrático, inoperante na regulamentação estática e sectorial do território, incapaz de mediar os conflitos e acolher a diversidade das dinâmicas sócio - económicas, das transformações estruturantes do território.

Após a elaboração do Plano Director de Urbanização de Lisboa, PDUL, 1948 (E. de Gröer) que estabelece um novo modelo de ordenamento da capital, o Plano Director da Região de Lisboa (Anteplano) PDRL, 1964, MOP/DGSU (Miguel Resende) abrange uma área alargada para estruturação e implantação das projectadas redes de mobilidade, infra-estruturas e equipamentos, a que associa o crescimento / expansão urbana. Este crescimento, sob o impulso da carência habitacional e da migração das áreas rurais para os principais centros urbanos, vai operar - se de forma descontrolada, em função das novas acessibilidades e proximidades, e dos vazios territoriais

Através dos Planos Directores Municipais, PDM, iniciados na década de 1980, os municípios iniciam o ordenamento integral do território municipal. A esboçada AML fica assim coberta por Instrumentos de Gestão Territorial elaborados sem articulação entre si e em conflito com as orientações estabelecidas por iniciativa da administração central no Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa, PROTAML, 1992 (CCRLVT). Este regista, segundo critérios não muito precisos, o enorme crescimento dos espaços urbanos consolidados e por consolidar, e o crescente decréscimo dos espaços agrícolas e florestais.

A Lei Bases do Ordenamento do Território e do Urbanismo, LBOTU, 1998, regulamentada em 1999 através do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, RJIGT, veio estabelecer uma visão integradora dos vários níveis de planeamento e ordenamento do território, correspondendo à região o Plano Regional de Ordenamento, PROT. Vinculativo da administração "define o quadro estratégico para o ordenamento do espaço regional em estreita articulação com as políticas nacionais de desenvolvimento económico e social, estabelecendo as directrizes orientadoras do ordenamento municipal" (vide LBOTU).
O PROTAML 2002 (CCDRLVT) acentua a prioridade das acções de reabilitação e contenção urbana, estabilização agrícola e florestal, afirmação das centralidades e polarizações articuladas com as principais redes de mobilidade e equipamentos metropolitanos, tomando por suporte a rede de áreas e corredores estruturantes do sistema ecológico metropolitano.


PROTAML 2002, CCRLVT - Sistema ecológico metropolitano

A aprovação do Programa Nacional de Política do Ordenamento do Território, 2006 (DGOTDU) veio definir "o quadro estratégico para o ordenamento do espaço nacional, estabelecendo as directrizes a considerar no ordenamento regional e municipal e a compatibilização entre diversos instrumentos de política sectorial com incidência territorial" (vide LBOTU) e enquadrar a revisão do PROTAML agora em curso num quadro legislativo e regulamentar estabilizado. Contudo a ausência da entidade administrativa "região" (*1) entidade com verdadeira representatividade política e competência institucional para promover a elaboração e gestão dos PROT´s, remete para as CCDR`s a condução deste processo, com os conflitos formalmente insanáveis entre competências e atribuições da administração central e administração local (*2).

É neste quadro que se processa a revisão do PROTAML em curso cujos trabalhos foram apresentados no passado dia 13 na Ordem dos Arquitectos por iniciativa do recem formado Colégio da Especialidade do Urbanismo.

Desde logo destaco o facto do PROTAML 2002 não ter, mais uma vez, resistido às transformações estruturais nos domínios da mobilidade e grandes equipamentos - Novo Aeroporto de Lisboa, Porto de Lisboa, Novas Travessias do Tejo, TGV, Plataformas Logísticas, ... - nem assegurado a contenção urbana e estabilização agrícola e florestal. Os espaços urbanos fragmentados são já superiores aos consolidados, os espaços urbanos dispersos alastram sem controle, os espaços agrícolas continuam a reduzir e os florestais a fragmentar-se com o corte raso dos seus povoamentos para a introdução de práticas agrícolas intensivas e extensivas. Alastra a degradação em áreas habitacionais, o declínio e abandono em áreas industriais e de actividades produtivas.


Fotografia aérea da área central da AML - Uma diversidade ambiental e uma fragmentação crescente

A AML caminha para um (des)ordenamento "fragmentário" pelo que a salvaguarda do sistema ecológico metropolitano incluído no eixo estratégico "sustentabilidade e ligação com a natureza" constitui hoje uma orientação matriz prioritária.
Sem se assegurar a vitalidade do sistema ecológico metropolitano, os demais eixos estratégicos - "conectividade, competitividade, cosmopolitismo", "polinucleação e compactação", "dinâmica social", "governabilidade, governança" - não são concretizáveis e a evolução da AML continuará, como até agora, fragmentária e dispersa, abandonando e invadindo territórios à margem dos princípios referenciais do ordenamento - sustentabilidade, polarização, articulação, complementaridade.
Chegámos à situação extrema em que o vazio urbano constitui hoje um espaço estratégico para a sobrevivência do território - para garantir a consolidação e coerência da rede ecológica urbana e a sua complementaridade e conectividade com a rede ecológica metropolitana, e como tal para salvaguardar o ambicionado ordenamento sustentável da AML.

Porquê?

Em Portugal a maioria do crédito bancário e da aplicação do capital visa a captação das mais valias da "edificação do território", em qualquer local, fonte privilegiada do rendimento da propriedade, do financiamento dos municípios, do emprego local e actividades associadas. São factores duma dinâmica sócio - cultural opostos ao ordenamento, que se tem revelado incapaz de intervir (interagir) nesta realidade.
Só alterando esta cadeia de interesses e mais valias e transferindo o crédito e a aplicação do capital para realizações que assegurem o cumprimento dos objectivos do ordenamento - desenvolvimento económico, social e cultural integrado e sustentável, numa paisagem harmoniosa, e garante da qualidade de vida de todos os cidadãos;
Só desenvolvendo regras e instrumentos de gestão territorial que tenham a capacidade de concertar a cadeia de interesses e mais valias com o cumprimento dos objectivos do ordenamento;
Só assegurando uma interacção coordenada do ordenamento de âmbito nacional, regional e municipal;
Só então, no caso presente, o PROTAML será eficaz.
Se temos consciência desta realidade temos de agir para salvar a Área Metropolitana de Lisboa.


Barcos no estuário do Tejo - Uma diversidade socio-cultural, uma participação pública

A Proposta do PROTAML vai ser posta a debate público, (em época de eleições abundam as propostas para debate público). Participar no debate público é uma obrigação cívica, indispensável para o ordenamento se tornar adequado à realidade.

(*1) Nos termos da Lei n.º 10/2003, de 13 de Maio, que cria as Grandes Áreas Metropolitanas e Comunidades Urbanas, sem atribuições no ordenamento, existe constituída a Área Metropolitana de Lisboa, associação que integra todos os municípios da AML (com excepção da Azambuja).
O referendo para a regionalização foi rejeitado; uma petição pro-regionalização vai ser apresentada na AR com o objectivo de eliminar os entraves na Constituição à sua concretização.

(*2) As carências ao nível da governabilidade envidenciam - se na incapacidade de implementar as autoridades metropolitanas, de concretizar nos PDM´s as orientações estratégicas e estruturantes dos PROT´s, de promover e concertar planos intermunicipais

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