segunda-feira, 27 de julho de 2009

O Novo Regime da Reabilitação Urbana
Uma Proposta em debate


A reabilitação urbana visa assegurar cidades preservadas e sustentáveis, incorporando a dinamização económica e consequente fixação da população. É um processo que exige uma actuação integrada mobilizadora e coerente a médio / longo prazo sem deixar de intervir de imediato nas situações prioritárias de maior degradação física e social.

O Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, MAOTDR, na sequência da experiência das Sociedades de Reabilitação Urbana, SRU, estabelecidas pelo Dec. Lei nº 104/2004, e das medidas já adoptadas nos domínios das Parcerias para Regeneração Urbana, do financiamento FEDER, QREN, BEI, da fiscalidade, da reabilitação da habitação social, apresentou para discussão pública o novo Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, RJRU, Proposta de Lei nº 26/2009.
Da prática já desenvolvida na reabilitação urbana concluiu-se pela necessidade de o novo RJRU considerar:
- o conceito de reabilitação a abranger todo o tecido urbano, incluindo edifícios, infra-estruturas, espaços públicos, e implicar os privados e a administração;
- a regulamentação do Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana, PPRU, agilizador dos procedimentos de aprovação das operações de urbanização e edificação;
- o envolvimento activo dos proprietários e investidores em parcerias com a entidade gestora, e a criação dos Fundos de Desenvolvimento Urbano para partilha dos riscos;
- os instrumentos de execução a adoptar quando os proprietários não participem na reabilitação (como nas operações urbanas sistemáticas);
- o incentivo de um regime especial de taxas municipais e o apoio financeiro do estado.

O proposto RJRU estabelece num regime jurídico único "o enquadramento normativo da reabilitação urbana ao nível programático, procedimental e de execução", e pretende:
a) articular a iniciativa privada e pública;
b) garantir a complementaridade e coordenação dos diversos agentes em operações integradas de reabilitação urbana;
c) diversificar os modelos de gestão das intervenções;
d) agilizar os procedimentos urbanísticos;
e) remover os obstáculos à reabilitação associados ao direito de propriedade.
Estabelece dois conceitos fundamentais: "área de reabilitação urbana" e "operação de reabilitação urbana", podendo esta ser "simples" essencialmente dirigida ao edificado, ou "sistemática" dirigida ao edificado e ao tecido urbano.
Procura ainda reforçar as garantias de participação e concertação dos interessados, designadamente proprietários e arrendatários das áreas a reabilitar.

Com a experiência da aplicação prática do regime jurídico das SRU, cap. XI da Lei dos Solos e Programas Polis, em articulação com os Regimes Jurídicos dos Instrumentos de Gestão Territorial, da Urbanização e Edificação, e do Património Cultural, é proposto o presente regime, exaustivo e complexo. Pena é que questões como qualidade dos espaços e da edificação, estética, paisagem, semiótica urbana não mereçam qualquer referência. Mais do que leis exaustivas e complexas é determinante a vontade política, cultura de participação e reabilitação, capacidade de delinear estratégias e promover a concertação dos interesses em presença, para assegurar a eficácia do programa.

Através de instrumentos jurídicos, ficais, financeiros e institucionais a administração procura mobilizar recursos públicos e captar recursos privados para que a reabilitação urbana entre no mercado em competição com a construção nova. Para tal é indispensável que os Planos Municipais de Ordenamento do Território, PDM, PU, PP e os propostos PPRU incorporem esta estratégia e a articulem com uma prática de contenção da expansão e dispersão urbana.
As áreas de reabilitação urbana têm de ser programadas e ordenadas como áreas com identidade própria, que contribuam para a diversidade do tecido urbano, mas igualmente como áreas concorrentes nas suas funções e actividades com as demais áreas urbanas, consolidadas ou em consolidação;
As áreas de reabilitação urbana têm de encontrar, dentro da sua singularidade, a sua vocação numa perspectiva de competitividade urbana solidária, acolher a multifuncionalidade e compactação, afirmar a sua centralidade nas redes de mobilidade;
As áreas de reabilitação urbana têm de respeitar os residentes e acolher os novos habitantes, reforçando o sentimento de comunidade;
As áreas de reabilitação urbana devem constituir escolas de formação e prática cívica - o papel dos equipamentos de ensino e segurança social é central, e a sua localização deve ser privilegiada;
As áreas de reabilitação urbana devem ser modelos de criatividade e qualidade urbana, incluindo os seus serviços urbanos.
Só assim, pela afirmação da sua viabilidade competitiva com as demais áreas urbanas e da sua qualidade, a reabilitação urbana será uma realidade consequente e impulsionadora da cidade do futuro - uma cidade sustentável, compacta, coesa, com uma identidade enriquecida pela sua diversidade e sentido de perenidade.


Pelas competências que detêm e lhes são atribuídas neste diploma, os municípios são os grandes dinamizadores da reabilitação urbana e responsáveis pela sua operacionalização numa visão integrada de desenvolvimento e ordenamento do seu território.
Compete-lhes com inteligência, face aos objectivos da reabilitação urbana, definir a estratégia das ARU e a delimitação das unidades de intervenção em articulação coerente com as demais intervenções no território, e não como programas autónomos.

As ARU têm de se tornar espaços com as mesmas condições de tratamento (ainda que com as suas características especificas) que as demais áreas urbanas. As ARU não são ilhas. Só com esta perspectiva se alcança a pretendida coesão social e territorial, objectivo da reabilitação urbana.

vide: Dec. Lei nº 104/04, de 7 de Maio, RJERU - regula as SRU
Dec. Lei nº 794/76, de 5 de Novembro - Lei dos Solos, cap. XI
Proposta de Lei nº 26/09, RJRU - apresentada pelo MAOTDR em 2009-06-29.


Marcos da Reabilitação Urbana


Bolonha


Pádua

Guimarães - centro histórico

Angra do Heroismo

Roterdão


Porto - centro histórico


Barcelona


Bilbao

Aconselho a leitura de "A alegoria do património" - Françoise Choay - Edições 70

quinta-feira, 23 de julho de 2009

É URGENTE SALVAR A ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA


A transformação do território da Área Metropolitana de Lisboa, AML, tem resultado mais de dinâmicas e tendências locais dispersas e da transformação desordenada dos solos das periferias rurais em urbanos e espectantes, do que de uma programação e ordenamento correcto. O ordenamento institucional da AML revela-se académico, burocrático, inoperante na regulamentação estática e sectorial do território, incapaz de mediar os conflitos e acolher a diversidade das dinâmicas sócio - económicas, das transformações estruturantes do território.

Após a elaboração do Plano Director de Urbanização de Lisboa, PDUL, 1948 (E. de Gröer) que estabelece um novo modelo de ordenamento da capital, o Plano Director da Região de Lisboa (Anteplano) PDRL, 1964, MOP/DGSU (Miguel Resende) abrange uma área alargada para estruturação e implantação das projectadas redes de mobilidade, infra-estruturas e equipamentos, a que associa o crescimento / expansão urbana. Este crescimento, sob o impulso da carência habitacional e da migração das áreas rurais para os principais centros urbanos, vai operar - se de forma descontrolada, em função das novas acessibilidades e proximidades, e dos vazios territoriais

Através dos Planos Directores Municipais, PDM, iniciados na década de 1980, os municípios iniciam o ordenamento integral do território municipal. A esboçada AML fica assim coberta por Instrumentos de Gestão Territorial elaborados sem articulação entre si e em conflito com as orientações estabelecidas por iniciativa da administração central no Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa, PROTAML, 1992 (CCRLVT). Este regista, segundo critérios não muito precisos, o enorme crescimento dos espaços urbanos consolidados e por consolidar, e o crescente decréscimo dos espaços agrícolas e florestais.

A Lei Bases do Ordenamento do Território e do Urbanismo, LBOTU, 1998, regulamentada em 1999 através do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, RJIGT, veio estabelecer uma visão integradora dos vários níveis de planeamento e ordenamento do território, correspondendo à região o Plano Regional de Ordenamento, PROT. Vinculativo da administração "define o quadro estratégico para o ordenamento do espaço regional em estreita articulação com as políticas nacionais de desenvolvimento económico e social, estabelecendo as directrizes orientadoras do ordenamento municipal" (vide LBOTU).
O PROTAML 2002 (CCDRLVT) acentua a prioridade das acções de reabilitação e contenção urbana, estabilização agrícola e florestal, afirmação das centralidades e polarizações articuladas com as principais redes de mobilidade e equipamentos metropolitanos, tomando por suporte a rede de áreas e corredores estruturantes do sistema ecológico metropolitano.


PROTAML 2002, CCRLVT - Sistema ecológico metropolitano

A aprovação do Programa Nacional de Política do Ordenamento do Território, 2006 (DGOTDU) veio definir "o quadro estratégico para o ordenamento do espaço nacional, estabelecendo as directrizes a considerar no ordenamento regional e municipal e a compatibilização entre diversos instrumentos de política sectorial com incidência territorial" (vide LBOTU) e enquadrar a revisão do PROTAML agora em curso num quadro legislativo e regulamentar estabilizado. Contudo a ausência da entidade administrativa "região" (*1) entidade com verdadeira representatividade política e competência institucional para promover a elaboração e gestão dos PROT´s, remete para as CCDR`s a condução deste processo, com os conflitos formalmente insanáveis entre competências e atribuições da administração central e administração local (*2).

É neste quadro que se processa a revisão do PROTAML em curso cujos trabalhos foram apresentados no passado dia 13 na Ordem dos Arquitectos por iniciativa do recem formado Colégio da Especialidade do Urbanismo.

Desde logo destaco o facto do PROTAML 2002 não ter, mais uma vez, resistido às transformações estruturais nos domínios da mobilidade e grandes equipamentos - Novo Aeroporto de Lisboa, Porto de Lisboa, Novas Travessias do Tejo, TGV, Plataformas Logísticas, ... - nem assegurado a contenção urbana e estabilização agrícola e florestal. Os espaços urbanos fragmentados são já superiores aos consolidados, os espaços urbanos dispersos alastram sem controle, os espaços agrícolas continuam a reduzir e os florestais a fragmentar-se com o corte raso dos seus povoamentos para a introdução de práticas agrícolas intensivas e extensivas. Alastra a degradação em áreas habitacionais, o declínio e abandono em áreas industriais e de actividades produtivas.


Fotografia aérea da área central da AML - Uma diversidade ambiental e uma fragmentação crescente

A AML caminha para um (des)ordenamento "fragmentário" pelo que a salvaguarda do sistema ecológico metropolitano incluído no eixo estratégico "sustentabilidade e ligação com a natureza" constitui hoje uma orientação matriz prioritária.
Sem se assegurar a vitalidade do sistema ecológico metropolitano, os demais eixos estratégicos - "conectividade, competitividade, cosmopolitismo", "polinucleação e compactação", "dinâmica social", "governabilidade, governança" - não são concretizáveis e a evolução da AML continuará, como até agora, fragmentária e dispersa, abandonando e invadindo territórios à margem dos princípios referenciais do ordenamento - sustentabilidade, polarização, articulação, complementaridade.
Chegámos à situação extrema em que o vazio urbano constitui hoje um espaço estratégico para a sobrevivência do território - para garantir a consolidação e coerência da rede ecológica urbana e a sua complementaridade e conectividade com a rede ecológica metropolitana, e como tal para salvaguardar o ambicionado ordenamento sustentável da AML.

Porquê?

Em Portugal a maioria do crédito bancário e da aplicação do capital visa a captação das mais valias da "edificação do território", em qualquer local, fonte privilegiada do rendimento da propriedade, do financiamento dos municípios, do emprego local e actividades associadas. São factores duma dinâmica sócio - cultural opostos ao ordenamento, que se tem revelado incapaz de intervir (interagir) nesta realidade.
Só alterando esta cadeia de interesses e mais valias e transferindo o crédito e a aplicação do capital para realizações que assegurem o cumprimento dos objectivos do ordenamento - desenvolvimento económico, social e cultural integrado e sustentável, numa paisagem harmoniosa, e garante da qualidade de vida de todos os cidadãos;
Só desenvolvendo regras e instrumentos de gestão territorial que tenham a capacidade de concertar a cadeia de interesses e mais valias com o cumprimento dos objectivos do ordenamento;
Só assegurando uma interacção coordenada do ordenamento de âmbito nacional, regional e municipal;
Só então, no caso presente, o PROTAML será eficaz.
Se temos consciência desta realidade temos de agir para salvar a Área Metropolitana de Lisboa.


Barcos no estuário do Tejo - Uma diversidade socio-cultural, uma participação pública

A Proposta do PROTAML vai ser posta a debate público, (em época de eleições abundam as propostas para debate público). Participar no debate público é uma obrigação cívica, indispensável para o ordenamento se tornar adequado à realidade.

(*1) Nos termos da Lei n.º 10/2003, de 13 de Maio, que cria as Grandes Áreas Metropolitanas e Comunidades Urbanas, sem atribuições no ordenamento, existe constituída a Área Metropolitana de Lisboa, associação que integra todos os municípios da AML (com excepção da Azambuja).
O referendo para a regionalização foi rejeitado; uma petição pro-regionalização vai ser apresentada na AR com o objectivo de eliminar os entraves na Constituição à sua concretização.

(*2) As carências ao nível da governabilidade envidenciam - se na incapacidade de implementar as autoridades metropolitanas, de concretizar nos PDM´s as orientações estratégicas e estruturantes dos PROT´s, de promover e concertar planos intermunicipais

terça-feira, 7 de julho de 2009

Um Sonho e uma Visão para Lisboa


1. A Proposta para Discussão Pública da Carta Estratégica de Lisboa 2010 - 2024

A Proposta da Carta Estratégica de Lisboa 2010-2024 foi apresentada e aberta à discussão pública no passado dia 3 de Julho .

Com o objectivo de constituir uma referência para a coesão territorial e desenvolvimento sustentável da cidade de Lisboa num contexto de globalização , destacaram-se no inicio da elaboração da Carta Estratégica de Lisboa 2010 - 2024 por iniciativa da CML , 6 eixos de reflexão :

- recuperação , rejuvenescimento e equilíbrio social ;
- segurança e inclusão ;
- sustentabilidade e eficiência energética ;
- inovação , criatividade e competitividade ;
- identidade ;
- governação e participação.

O trabalho produzido pelo comissariado - coordenado por João Caraça e integrado de Ana Pinho , Graça Dias , Tiago Farias , Augusto Mateus , Simonetta Afonso , João Seixas - com a realização de seminários participados e enquadramento de estudos estratégicos sectoriais em curso na CML , constitui a Proposta " Carta Estratégica de Lisboa 2010 - 2024 - Um compromisso para o futuro da cidade " .

Em 1992 a CML de forma inovadora em Portugal - os Planos Estratégicos têm a sua primeira aplicação em 1982 na cidade de São Francisco e depois em Espanha a partir do Plano Estratégico de Barcelona em 1982 para preparação dos Jogos Olímpicos de 1992 - aprovou o I Plano Estratégico de Lisboa que serviu de enquadramento ao PDM de 1994 e a projectos estruturantes como Lisboa 94 - Capital Europeia da Cultura , Expo 98 , estrutura verde da cidade . Retoma - se agora a elaboração deste instrumento de planeamento e desenvolvimento da cidade quando a CML se confronta com a revisão do PDM e a tomada de decisão sobre novos projectos estruturantes , como a frente ribeirinha e o porto , a revitalização , reabilitação e colmatação dos vários territórios da cidade , a implantação de infra-estruturas e equipamentos estruturantes , a ambicionada afirmação de Lisboa num contexto internacional .
A Proposta da Carta constitui-se como referência de um processo estruturado e aberto à participação , com o cidadão como protagonista central e a quem a Proposta é dirigida . Quatro orientações mestras " quatro pontos cardeais " esboçam os vectores estratégicos que os 6 eixos de reflexão proporcionaram , para que Lisboa reduza as desigualdades e disfuncionalidades e " aumente a sua relevância internacional " :

I - O compromisso com uma nova prática " quanto à persistência de um conjunto de grandes objectivos " tomando " a cidade como lugar de negociação dos conflitos e das diferenças " .
II - O reassumir da centralidade de Lisboa capital com " fundas raízes históricas " aberta ao Tejo e ao
Mundo , " caminhando para o desenvolvimento de grandes redes metropolitanas , para a viabilização de plataformas de conectividade internacional " mas sempre " percepcionada através dos cinco sentidos " .
III - A descentralização administrativa e a transformação numa cidade de bairros , unidades estruturadas de " vivências diversificadas " com uma " escala humana " equipamentos , serviços e actividades numa lógica de proximidade da habitação sem perder a " consciência da sua existência colectiva " e da sua integração na " grande região de Lisboa " .
IV -O entender Lisboa como " cidade da descoberta " tomando o património natural e construído como " plataforma para o surgimento de oportunidade, de criatividade, de empreendorismo (mais uma bengala da teoria )" cidade de " tudo a acontecer," "criação de emprego e oportunidade económica " sem " descuidar da equidade, solidariedade, coesão e acolhimento do outro " .
Integrada no ponto cardeal IV considero de realçar a proposta " as novas escolas deverão ser implantadas nos mais belos espaços da cidade, assumindo-se como observatórios da polis " .

Na visão de Lisboa 2024 a sua " alma múltipla " conviverá com a sua diversidade de recantos únicos , o Tejo , as redes globais de conectividade . " Lisboa será descoberta. E os lisboetas sonharão com o futuro . "

A visão afigura-se-me excessivamente teórica , enevoada, alma plena em corpo indefinido.
Lisboa surge-me prisioneira de si própria, egoísta, sem se articular e complementar estrategicamente com os diversos níveis da sua interdependência territorial (AML, Região, País, Península, Europa, África , Atlântico , Mundo ) .
Não se destacam ainda medidas prioritárias para acorrer a problemas já bem caracterizados e que exigem soluções urgentes - coesão social, mobilidade, reabilitação, espaços públicos...

2. A lição de Jaime Lerner

Jaime Lerner, arquitecto e urbanista , 3 vezes eleito perfeito de Curitiba , referência maior da reabilitação e revitalização urbana , governador do Estado do Paraná ,presidente da União Internacional de Arquitectos , pedagogo da cidade , presente na apresentação da Proposta da Carta Estratégica de Lisboa 2010 - 2024, com a tranquila sabedoria da experiência vivida, referiu incisivamente : " uma cidade pode ser mudada em menos de 3 anos, com vontade politica e solidariedade " assente em 3 vectores " mobilidade, sustentabilidade, tolerância " e com claro respeito pela sua "identidade ".
" A cidade é como um retrato de família que não se rasga ... não existe parte feia na cidade que não se possa transformar " prosseguiu Jaime Lerner que recomendou ainda o ensino da cidade às crianças ,como a mobilidade , a topografia , onde estão os rios e colinas ... " o retrato de família " .
A concluir , como recomendação certeira " nós não temos a vida toda para planear . Inovar é começar. "

3. Um Sonho e uma Visão para Lisboa



A cidade requer soluções simples e criativas . Como o sistema não subsidiado de transportes públicos de Curitiba , um êxito .
É necessária uma vontade politica solidária - tanto mais pertinente quando se aproximam as eleições autárquicas de Outubro - e a adopção de soluções simples e criativas . Foque-se o retrato de família e volte-se à lição de Jaime Lerner. Encontremos um sonho colectivo a que nos dediquemos profundamente... e logo que se proporcionar, um pouco só que seja desse sonho, não mais o abandonemos.

Um Sonho para Lisboa : O das suas crianças e jovens conhecerem e cuidarem da Cidade .
Uma Visão para Lisboa : Capital em Portugal / Centralidade na Europa / Porto no Atlântico / Porta no Mundo .

segunda-feira, 29 de junho de 2009

O Terreiro do Paço e a Invenção do Futuro


1. Do Terreiro do Paço de 1500 à Praça do Comércio de 2000

Na época dos descobrimentos o mundo desagua no Tejo, no terreiro onde em 1500 D. Manuel manda construir o Paço da Ribeira. Lisboa é a porta do mundo. No Terreiro do Paço, contíguo à Ribeira das Naus, frente ao ancoradouro das mais variadas embarcações, constrói-se também a Casa da Índia e a Alfandega. Aí sucedem-se cortejos, festas, chegadas e partidas, espectáculos exóticos, com a participação de toda a população. É o testemunho de relatos e gravuras que nos revelam o Terreiro do Paço como palco das demais variadas cenografias. Despido de árvores destaca-se a fonte isolada. Filipe, chegado a Lisboa, renova o Paço Manuelino, transforma-o no Palácio Real com um torreão proeminente, representação de um poder cosmopolita e referência desse poder na silhueta da cidade.


Vista geral da cidade de Lisboa, 1752
anónimo, Museu da Cidade

Com o terramoto / maremoto / incêndio de 1755 e a retirada do Palácio Real, a que vem designar-se Praça do Comércio, fica delimitada pelo Arsenal da Marinha, Tribunais, Alfandega, conforme plano de Eugénio das Santos e Carlos Mardel, traçado que perdura e inclui a muralha com o Cais das Colunas e a Estátua Equestre. A reconstrução da cidade, custeada pela Junta do Comércio, renova-a segundo uma concepção iluminista do poder. O urbanismo, racional e operativo, rompe com as pré-existências, atribui à Praça do Comércio as características de um espaço do poder político, transfere para o Rossio e outros espaços da cidade em expansão a utilização popular anterior do Terreiro do Paço.


Vista imaginária da Praça do Comércio, 2ª metade do séc. XVIII
anónimo, Museu da Cidade

Num postal de 1902 árvores transparentes desenham uma segunda arcada de sombra, depois retirada com a justificação de obstruir a visão integral da Praça.

Os instrumentos urbanísticos mais recentes 1938/48, E. de Groer, 1967/76 Meyer Heine, 1993, Bruno Soares, mantém a sua fisionomia, com transito de passagem na frente ribeirinha, progressivo condicionamento do transito local e incentivo da intermodalidade dos transportes públicos.

A Praça do Comércio é como uma sala de visitas que raramente se utiliza. Um desencanto.

Contudo:

"... um sitio assim, tão privilegiado ... a cidade pelas costas. Comércio, multidão, Europa, fica tudo para trás ... sabe-se do correr do dia pelo mudar da cor do Tejo, e não me digam que não é uma felicidade estar-se assim, à mesa sobre as águas, com gaivotas a saírem-nos de baixo dos pés ...".
(José Cardoso Pires, Lisboa Livro de Bordo, 1997)

2. A requalificação do Terreiro do Paço em curso

Em reunião pública da CML de 2009-05-27 foi aprovado o "Estudo Prévio do Terreiro do Paço" coordenado por Bruno Soares e visando a sua requalificação a tempo das comemorações do centenário da República. O Centro de Informação Urbana de Lisboa já promovera um mês antes a conferência " Praça da Europa, Praças para a Europa - Que futuro para a Praça do Comércio" Entre as várias comunicações destaco o estudo da percepção do espaço promovido pela Universidade Autónoma de Lisboa o qual através do apuramento de um inquérito referencia maioritariamente a ausência de arvores, sombras, esplanadas, actividades culturais e de lazer, e minoritariamente a necessidade de condicionar o trânsito automóvel - para contrariar o espaço vazio e inóspito actual dum local referenciado pelo conjunto arquitectónico e relação com o rio.
A Frente Tejo S.A. também no início de Maio divulgava o estudo inicial e colocava-o no seu site aberto à participação pública - vindo-se a destacar os temas mobilidade, dinamização de actividades e conforto ambiental - a anteceder a apresentação pública de 27 de Junho já com um estudo revisto nalguns dos seus pormenores. As imagens propostas são da uma praça deserta com um pavimento de lioz de desenho geométrico , o cais das colunas reintegrado no conjunto, passeios alargados para esplanadas e circulação automóvel reduzida e condicionada, ladeando a estátua equestre de Machado de Castro. Projectos específicos a desenvolver de iluminação, mobiliário urbano e de reutilização dos edifícios completam a requalificação pretendido para uma praça que "bateu no fundo" segundo Bruno Soares.


Simulação do Estudo Prévio da Requalificação
Frente Tejo S.A.

3. Algumas praças de referência


Praça de São Marcos, Veneza

O sítio, a Basílica, o Palácio, a Torre do Relógio, as esculturas, o pavimento - uma invenção de sucessivas gerações respeitando e valorizando sempre o património herdado - tornaram esta praça o centro dos principais acontecimentos de Veneza e uma referência universal.



Praça Maior, Madrid

Fechada por um ritmo contínuo de edifícios com arcadas, a malha regular do pavimento, a estatua equestre, combina funções politicas, administrativas, comerciais, sociais e culturais - é um centro vivo da cidade que a comunidade inventa cada dia.



Praça do Museu do Louvre, Paris

O eixo de simetria rigoroso prolonga-se por jardins formais (Tulleries) praça (Concorde) avenida (Elysées), a disciplina das fachadas decoradas, rematadas por torreões, o redesenho do pavimento com a invenção da pirâmide de vidro valoriza a vitalidade urbana deste espaço emblemático da cidade.

4. Inventar o futuro

As praças de referência são exemplos do que designo "inventar o futuro" porque se renovam sempre vivas e surpreendentes.
É necessário "inventar o futuro" do Terreiro do Paço, do que já foi braço de rio, porto, porta do mundo, terreiro do paço, praça do poder e é hoje um espaço perdido.
Inventem a ligação ao rio, para quem por ele chega à descoberta da cidade, ou parte em despedida; inventem as cores no fundo azul do céu; inventem a sombra viva das árvores; inventem o deambular livre; inventem novos usos para os edifícios - museus, universidades, comércios, serviços, residências turísticas ... - tudo o que torne a cidade viva e habitada dia e noite. Inventem a Praça do Tejo. Inventem, criativamente e com envolvimento dos cidadãos. Contem com eles.


" ... o lisboeta corrente tem cá uns traquejos e um deixa andar que lhe permitem dar a volta aos azares de estremeção e às complicações mais solenes."
(José Cardoso Pires, Lisboa Livro de Bordo, 1997)


Respeitar o património é revitalizar o seu uso e inventar o futuro.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Não nos curvemos referencialmente às "estrelas profissionais"

A propósito do manifesto de 28 economistas

As "estrelas profissionais" tornaram-se intimas do poder politico, económico e financeiro, e são muitas vezes utilizadas para com o seu prestigio sustentarem ou concretizarem objectivos do poder e das suas elites.
Este processo não serve a realidade hoje, muito exigente na busca de soluções que reabilitem uma sociedade profundamente destruturada e lhe confira a coesão e sustentabilidade requeridas.

Tomo como exemplo a prática da arquitectura. Não estou contra as boas obras de arquitectura de autor, porque além de serem actos de criatividade, pela sua qualidade são referências síntese da criação estética e técnica, marcas e memórias patrimoniais. Estou sim contra as decisões do poder que abreviam a sua promoção com o recurso generalizado ao expediente de obras de autor furtando-se a critérios transparentes de selecção, e sem inscrever a prática da arquitectura na resolução dos problemas reais da sociedade contemporânea - segregação e exclusão social, especulação e burocratização, apropriação de mais-valias públicas - conducentes à marginalidade e corrupção, ruptura cultural e social. As decisões sobre o ordenamento e a cidade são, na sua origem, actos de cidadania e ética (direitos, deveres e princípios de conduta da comunidade e dos indivíduos) antes da criação estética e técnica.


Casa da Música, Porto, arq. Rem Koolhaas, 2001

Voltemos às "estrelas profissionais". O estado deve ser o garante da identidade e solidariedade da comunidade, sem uma visão iluminada e messiânica, e deve assegurar-lhe a capacidade de natural e continuamente decidir sobre o seu futuro e os seus recursos.
O manifesto de 28 economistas sobre os grandes investimentos públicos (TGV, novo aeroporto, novas rodovias) divulgado na imprensa do passado dia 20, não deve ser entendido como propósito de auto-afirmação duma elite da área do poder, ou visão iluminada e messiânica de estrelas profissionais. Constitui uma posição cívica. Impõe-se que o estado incentive, promova e incorpore continuamente a reflexão dos portugueses sobre o seu futuro e os seus recursos. Com a visão duma identidade histórica, social e cultural que sabe sobreviver às maiores dificuldades e coexistir com o acolhimento da diferença e o desafio da universalidade.

Defendo o novo aeroporto e o TGV com a referida visão; mas necessito de conhecer as diferentes expressões da comunidade e o confronto das suas posições, conhecer a experiência dos outros para me solidarizar no caminho que sustente ou renuncie a essa visão.
O manifesto de 28 economistas, independentemente do prestigio e saber de "estrelas profissionais" ou "senadores" num sentido de maior responsabilização, constitui uma visão limitada e uma reflexão acantonada no saber e experiência duma área profissional. A sociedade necessita de cruzar e integrar os seus múltiplos conhecimentos e experiências, aprofundar as sua múltiplas percepções e desafios com que está disposta a confrontar-se.

Não nos curvemos referencialmente às "estrelas profissionais".

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Planeamos hoje em Portugal cidades sustentáveis ?

A cidade deve ser, como já foi, o paradigma da organização comunitária centrada no homem e em harmonia com a natureza - a cidade sustentável.


Leonardo da Vinci - Homem Vitruviano - 1490

Com a excessiva concentração da população nos centros urbanos a cidade expandiu-se, tornou-se fragmentária, devoradora de espaços e recursos; desumanizou-se e centrou-se sobretudo nas mais valias económicas geradora de múltiplos desequilíbrios.
A cidade tornou-se um complexo ecossistema artificial onde se conjuga o capital natural e cultural (ambiente e património) o capital social e económico (comunidade e actividade) o capital material (edifícios e infra-estruturas que configuram o território urbano).
O seu equilíbrio impõe uma visão integrada das múltiplas disciplinas que nela interferem e dos seus múltiplos contributos, através de soluções que garantam a participação e adesão da comunidade na construção da coesão social e territorial.


Manuel Cargaleiro - óleo sobre tela - 1975

A cidade sustentável é a cidade equitativa, plural e integradora, diversa e coerente, que favorece a sua fruição em condições de plena igualdade; a cidade sustentável é a cidade com uma identidade própria, economicamente consistente e competitiva, com máxima utilidade social, bela no seu ambiente e paisagem, boas condições de mobilidade, bons espaços públicos, boa integração no território, qualidade arquitectónica e construtiva, criatividade e inovação técnica.


Piazza del Duomo - Milão

Planeamos hoje cidades sustentáveis em Portugal ?

Evoluímos muito nesse domínio, do programático à acção - da concretização do PNPOT às políticas de cidades Polis, programas operacionais e instrumentos de gestão territorial; da investigação às boas normas e práticas de projecto, obra e gestão das realizações; da qualificação dos técnicos à informação e participação pública; da articulação das políticas sectoriais à reabilitação urbana; do melhor aproveitamento dos recursos ao tratamento e reciclagem dos resíduos.
É cada vez mais consistente e coerente a articulação destas acções e a existência de boas realizações.
Mas muito caminho há ainda a percorrer, designadamente na política dos solos e no combate à especulação, na consolidação duma cultura de qualificação e responsabilização no domínio do ordenamento, na maior articulação e monitorização das acções, na informação e participação pública, em síntese, na prática da decisão politica e na maior exigência de qualidade e justeza das soluções visando a consolidação de verdadeiras cidades sustentáveis.

A cidade demora tempo a fazer; já é doutros para quem chega e transforma a realidade recebida numa nova realidade, e assim sucessivamente, ao longo das gerações.


Salvador Dali - A persistência da memória - 1931

A cidade é uma formação social que vai pensando colectivamente o futuro sem estar prisioneira do tempo. A cidade viva é sempre um produto inacabado; a sua apropriação e uso, o ambiente urbano, é o que verdadeiramente a caracteriza. Com este entendimento a cidade é um sistema semiológico global, aberto e unificador.

Não se resume às realizações de técnicos especializados cuja linguagem é restrita e inacessível para a maioria dos cidadãos. A concretização da cidade tem que libertar-se da logotécnica e recorrer a sistemas semiológicos acessíveis ao universo social, para assegurar o contributo do conhecimento real da cidade pelos cidadãos.


Parc La Villette - Paris

Já as cidades gregas no seu apogeu há 2.500 anos tinham uma concepção significante que prevalecia sobre a organização técnica dos usos e funções.
Como urbanistas devemos saber valorizar a leitura e compreensão das suas componentes pelos cidadãos, os ritmos, os elementos de significado forte, neutros e de acompanhamento. Corresponde a compreender a linguagem da cidade, como ela comunica com os habitantes e estes a entendem e se relacionam afectiva e efectivamente com ela. Porque " a cidade é como um livro" (Victor Hugo) uma escrita no espaço a que se volta sempre com uma nova leitura.


Parque das Nações - Lisboa